Decidi criar um novo espaço aqui, aproveitar meus estudos em história, e escrever sobre um personagem por vez. Para iniciar, vou puxar a sardinha para o lado das mulheres e começar com uma mulher que levou um homem a "dividir o país ao meio" por sua causa: Ana Bolena.
Ana Bolena, foi a segunda esposa do rei da Inglaterra, Henrique VIII (ele teve seis!), e rainha consorte da Inglaterra de 1533, até a anulação de seu casamento em 1536. Era filha de Thomas Bolena, Conde de Wiltshire e Isabel Howard, filha do Duque de Norfolk. Não existe registro exato de seu nascimento, sendo o mais provável que ocorreu entre 1501 e 1507. Embora tivesse alguns membros da nobreza em sua genealogia, pelo lado do pai tinha uma descendência burguesa, seu bisavô foi um grande comerciante de tecidos e que chegou a ser prefeito de Londres.Já pelo lado materno descendia da ilustre casa dos Howard, a qual foi abalada finaceiramente após a Guerra das Rosas (1485).
Seu pai, um cortesão experiente e diplomata, conseguiu para Ana uma posição no séquito de Margaret da Áustria (regente dos países baixos), em 1513. Essa corte era um centro intelectual e artístico, e foi onde ela desenvolveu aptidões para dança, música e pintura. Logo em seguida, viajou para a França, para acompanhar a comitiva de Mary Tudor, que iria se casar com o idoso rei Luiz, o qual morreou logo após as bodas, porém Ana continuou na Françae se tornou uma das aias da nova rainha Claudia de Valois.
A corte francesa era conhecida por seus escândalos sexuais, mas da parte de Ana, nunca chegou ao conhecimento dos historiadores de algum desvio de conduta dessa época da sua vida. Em 1522, Ana retorna à Inglaterra e passa a fazer parte das damas de companhia de Catarina de Aragão, então rainha e primeira esposa de Henrique. Entretanto, o tio de Ana, Thomas Howard e o cardeal Wolsey, tinham planos para que esta se casasse com o filho do Conde de Ormonde. Nesse período, sua irmã, Maria Bolena era amante do rei, chegando a ter dois filhos ilegítimos com ele. Enquanto dama de companhia da rainha da Inglaterra, Ana desenvolve uma relação com Henry Perci, filho do Conde de Northumberland, sendo que os dois chegaram a ficar noivos secretamente. O casamento foi impedido pelo pai de Percy e pelo Cradela Wolsey, por conta de Percy estar prometido a Mary Talbot, numa união que juntaria duas nobres famílias, Ana então foi afastada da corte.
Em 1525, ela retorna a corte, dessa vez caindo nas graças do rei.... Mas ao contrário de sua irmã, Ana não queria ser amante, queria ser rainha! Ela encorajava o rei a nutrir sentimentos por ela, mas recusava-se ser a amante, queria lhe dar "filhos legítimos". Como o casamento com Catarina não dava mais frutos (tiveram somente uma filha, Mary, mas ele queria filhos homens), tudo contribuiu para que ele se envolvesse nessa história e fosse capaz das maiores loucuras para ficar com sua amada. O rei tentou de várias formas, e por muitos argumentos (inclusive de que o casamento de Catarina com seu irmão teria sido consumado, por isso não geravam filhos!),para que seu casamento fosse anulado.
As manifestações de afeto de Henrique por Ana são muitas, desde cartas apaixonadas (a maioria escrita em francês, caso caíssem em mãos erradas), presentes (muitas jóias!), até títulos de nobreza para ela e sua família (ela se tornou Marquesa de Pembroke, em 1532). A Igreja Católica não acatou os pedidos de Henrique sobre seu casamento com Catarina, mas mesmo assim, em 25 de janeiro de 1533, Ana e Henrique se casam secretamente. Em 23 de maio do mesmo ano é convocado um tribunal pelo Priorado de Dunstable, que declarou seu casamento com Catarina nulo e sem efeito, e cinco dias depois declarou válido o casamento de Henrique e Ana.
Em primeiro de junho de 1533, Ana Bolena é coroada rainha da Inglaterra, em uma cerimônia na Abadia de Westminster. A Igreja Católica se pronuncia então sobre o casamento de Henrique e Catarina, considerando-o válido. O Papa Clemente VII excomunga Henrique VIII. Em sete de setembro de 1533, Ana dá à luz a Elizabeth, que seria a futura rainha da Inglaterra. Em 1534, a Inglaterra rompe de vez com a Igreja Católica, dando origem a Igreja Anglicana.
Em seu curto reinado, Ana tentou introduzir muitos aspectos da cultura francesa na corte inglesa. Foi uma grande defensora da nova Igreja Anglicana e contribuiu para a nomeação de vários bispos. Henrique, que parecia muito feliz, começou a mostrar descontentamento pelo fato de Ana não lhe dar o tão sonhado herdeiro homem. Ela teve algumas outras gestações, mas que acabaram em abotos espontâneos ou com o nascimento de natimortos.
Em sete de janeiro de 1536, Catarina de Aragão falece, e a rainha Ana além de não adotar o luto como o resto da corte, se vestiu de amarelo, causando um grande frenesi. Além da pressão do rei por um herdeiro, ele encontrou uma nova amante, Jane Seymour (na época, as mulheres grávidas não podiam ter relações sexuais pois acreditava-se prejudicar o bebê, Ana até então "passava" Henrique para sua irmã ou sua prima), jovem, bela e saudável, uma opção para conseguir sua busca por um novo herdeiro. Em meio a tudo isso e intrigas por parte dos inimigos, Ana Bolena é acusada de adultério (com o músico Mark Smeaton, o nobre Henry Norris e o poeta Thomas Wyatt, o último foi absolvido) incesto (acusada de relações com seu irmão George) e de alta traição. Alguns historiadores acreditam ter sido uma trama enredada por Thomas Cronwell, que chegou a chanceler do rei, embora tivesse origem humilde. Em dois de maio de 1536, Ana é presa e enviada a Torre de Londres, juntamente com seu irmão. Em 19 de maio, Ana foi executada, decapitada por um carrasco francês (segundo a lenda ela não iria "abaixar a cabeça" nem na hora de morrer). Em seu último discurso pediu pela saúde e felicidade do rei.
A figura de Ana sempre foi rodeada de lendas e mistérios. Foi chamada de bruxa, que teria enfeitiçado o rei (inclusive que teria seis dedos!). Que teria sido responsável pela morte de Catarina de Aragão. Existem debates até hoje se ela teria traído Henrique ou não (eu voto pelo não!). Polêmicas a parte, Ana Bolena foi uma mulher a frente de seu tempo. Conseguiu se destacar em um mundo dominado por homens (mesmo que usando seu charme feminino) e deu à luz a mulher que seria considerada por alguns a melhor governante que a Inglaterra já teve. Foi um exemplo de perseverança, lutou com unhas e dentes por seus objetivos (mesmo que tenha pago muito caro por eles!). Era uma mulher inteligente, estrategista, extremamente orgulhosa, e descrita por alguns como fria e racional.Foi (e ainda é) retratada em livros, filmes, séries, pinturas.... Para quem se interessa pelo assunto temos os livros da escritora Philippa Gregory (A irmã de Ana Bolena, A herança de Ana Bolena), a série de livros da escritora inglesa Hilary Mantel (Wolf Hall, O Livro de Henrique, o último ainda não foi publicado aqui), obras fictícias, baseadas em eventos da época, estes últimos a história seria "narrada" por Thomas Cronwell. Na parte histórica, existe um trabalho muito interessante publicado no blog "rainhas trágicas" assinado por Renato Drumond Tapioca Neto e que pode ser baixado "Mademoiselle Boulain: uma história de amor e ódio na corte dos Tudor". Os filmes "A Outra", com Natalie Portman no papel principal, um filme francês de 1969 "Ana dos mil dias", e também temos um pouco dessa história no clássico de 1969 "O homem que não vendeu sua alma", que conta a história de Thomas More, nobre, pensador e escritor da época, o qual foi executado por não reconhecer o casamento de Henrique VIII com Ana Bolena e a separação da Igreja Católica. A série "The Tudors", dividida em quatro temporadas conta a história de Henrique VIII, e temos uma Ana Bolena bem realista interpretada por Natalie Dormer. Atualmente o Reino Unido tem uma produção, a série "Wolf Hall", baseada nos livros de Hilary Mantel. E para nós mulheres, dá até uma pontinha de inveja, afinal um homem romper com a Igreja por sua causa, realmente não é pra qualquer uma....